1) O que a literatura chama de “espasticidade” (e por que isso não basta)
Tecnicamente, espasticidade é um aumento dependente da velocidade no reflexo de estiramento. Na prática clínica, rotular tudo como espasticidade não explica:
- por que certos músculos encurtam;
- por que surgem deformidades (equino, joelho em flexo, assimetrias);
- por que reduzir espasticidade (medicação/injeções) nem sempre melhora função se o padrão de uso não mudar.
Ponto-chave: a espasticidade pode existir, mas não é a causa única do que vemos na postura, marcha e função.
2) De onde vem a “rigidez” que vemos?
Após a lesão no SNC, a criança precisa lutar contra a gravidade com estabilidade central insuficiente (hipotonia de tronco é comum). Para dar conta das tarefas, o corpo adota compensações:
- uso excessivo de determinadas cadeias (ex.: gastrocnêmios e isquiotibiais para “segurar” a postura);
- posições repetidas em encurtamento (ex.: marcha na ponta do pé);
- evitação do lado mais fraco (nos quadros unilaterais), alimentando assimetrias.
Com a repetição diária, esses músculos encurtam estruturalmente e a articulação perde amplitude — surge a rigidez “mecânica”.
Não é só reflexo: é história de uso + gravidade + crescimento.
3) Como identificar na avaliação (checklist rápido)
- De onde vem a estabilidade? Tronco contribui ou tudo “sobra” para MMII/MMSS?
- Padrões repetidos de encurtamento: equino (ponta dos pés), joelho/Quadril em flexo, adução interna sustentada.
- Assimetrias de uso: lado “bom” faz tudo? O lado afetado participa de alcance, apoio, transferência de peso?
- Velocidade x rigidez: a resistência aumenta só quando movimento é rápido (mais reflexo) ou está presente mesmo em baixa velocidade (componente estrutural/tecidual)?
- Histórico de tarefas: quais atividades diárias mantêm o músculo encurtado (ex.: sempre de pé com calcanhar elevado; sentar em retroversão com joelhos flexos)?
4) Implicações diretas para o plano terapêutico
Se o problema não é só reflexo, o plano não pode ser só antiespasticidade. Diretrizes práticas:
a) Ganhar base proximal (tronco e pelve)
- Treino ativo de controle postural (alinhamento, dissociação cinturas).
- Organização sensorial e pistas táteis para “acordar” musculaturas subutilizadas.
b) Reprogramar o uso (motor learning)
- Tarefas funcionais com distribuição de carga simétrica e transferência de peso.
- Participação do lado afetado nas ADLs (alcance, apoio, manipulação).
- Progressões claras (amplitude → controle → resistência → velocidade).
c) Intervir nos encurtamentos
- Alongamentos específicos e de baixa carga/tempo suficiente (dosagem!).
- Órteses/goteiras noturnas quando indicado para manter o ganho.
- Monitorar cadeia posterior (gastrocnêmios/soléus, isquiotibiais) e adutores.
d) Tecnologia e recursos
- Andadores/órteses conforme GMFCS e objetivos funcionais (não só “para andar”, mas para treinar padrões corretos).
- Faixas Neuro como input somatossensorial contínuo para alinhar segmentos, facilitar sinergias úteis e reduzir a necessidade de compensações que alimentam encurtamentos.
Regra de ouro: reduzir um reflexo não “ensina” um novo padrão. Só a prática orientada em boa mecânicaconsolida um movimento melhor.
5) Sinais de que você está no caminho certo
- Posturas mais alinhadas sem “trancos”.
- Aumento de amplitude sem “rebote” imediato.
- Menos dependência do lado “forte”.
- Marcha com maior contato de calcanhar e tempo de apoio simples mais estável.
- Participação: a criança passa a usar o movimento novo nas tarefas (alimentação, brincar, higiene).
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